Definido como um transtorno neurológico caracterizado por comprometimento da interação social, comunicação verbal e não-verbal e comportamento restrito e repetitivo, o autismo – ou Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) – ainda é um tabu e requer uma maior instrução na sociedade. A discussão sobre o transtorno tem avançado, porém algumas ações são realizadas principalmente no dia 2 de abril para lembrar a data e alertar a população acerca do TEA.
Em Hulha Negra, o Dia Mundial do Autismo, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 18 de dezembro de 2007 para a conscientização acerca dessa questão, foi lembrado em uma palestra no Centro de Atendimento Integrado a Saúde (Cais). Direcionada a profissionais da Secretaria de Saúde, incluindo técnicos de enfermagem, enfermeiros, agentes de saúde, dentistas, assistente social, técnica do laboratório de análises clínicas, motoristas, recepção, setor administrativo, ser ventes, secretário de Saúde e integrantes dos ESFs urbano e rural, a palestra foi ministrada pela psicóloga que atua no PIM Criança Feliz, Naiara Martins.
De acordo com Janusa Gonçalves Silveira, do setor de administração da Secretaria de Saúde e integrante da comissão interna de ensino e serviço sobre educação permanente em saúde, ao lado da coordenadora Carla Ruiz, a palestra foi a primeira dentro de um projeto de elaboração de atividades. “O objetivo é motivar os profissionais para a apresentação de projetos através de uma atividade diferenciada e alcançamos nossa meta. Há recursos para a promoção e prevenção da educação em saúde e pretendemos, mensalmente, elaborar algo diferente”, explica Janusa, acrescentando que o encontro contou com uma apresentação sobre o tema, a entrega de um boton de conscientização, depoimentos e trocas de experiências, sendo finalizado com uma dança circular, a música Samba do Autismo e um abraço entre todos os participantes. “Para não atrapalhar o atendimento do Cais, separamos os profissionais em dois grupos, o que deixou a todos motivados, visto também poder contarem com o apoio do secretário Volney Jorge e do prefeito Renato Machado”, destacou.
O AUTISMO – Em entrevista ao TP, a psicóloga Naiara Martins explicou que o autismo pode ser dividido em três níveis, o 1, 2 e 3, desde o que não apresenta muitos prejuízos até aqueles com necessidade de muito apoio e prejuízos no desenvolvi mento. Segundo ela, cada criança tem uma característica mais intensa, mas as mais difíceis são limite baixo para frustrações, distração, irritabilidade, falta de atenção, hiperatividade, repetição compulsiva, isolamento, instabilidade de humor e movi mentos de mãos estereotipa dos. “Algumas pessoas com TEA podem ter dificuldades de aprendizagem em diversos estágios da vida, desde estudar na escola, até aprender atividades da vida diária, como, por exemplo, tomar banho ou preparar a própria refeição. Algumas pessoas com autismo poderão ser autônomas, enquanto outras poderão precisar de apoio especializado ao longo de toda a vida”, afirma Naiara.
A psicóloga expôs também, a importante participação familiar. “A participação dos pais e dos familiares é considerada um elemento essencial nos programas de intervenção para crianças com autismo. O comportamento das crianças é aprendido e mantido através de contingências dentro do contexto familiar, e que os pais podem ser ensinados a mudar essas contingências para promover e reforçar o comportamento adequado”, afirma.
Questionada sobre o acompanhamento, ela explica que os autistas de Hulha Negra são acompanhados pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Bagé ou Caminho da Luz. “Os autistas recebem acompanhamento, mas acreditamos que um local no próprio município seria mais adequado, não só para autistas, mas também àqueles com outros transtornos infantis, visto alguns deles terem dificuldade de conviver em sociedade e local de maior público, bem como serem in quietos, o que pode deixá-los mais agitados e irritados”, expõe a psicóloga.
A história de quem vivencia a rotina de um autista
A reportagem do TP conversou com a funcionária pública Mirege de Malaguêz. Casada com Murilo e mãe do pequeno Arthur, de 6 anos, diagnosticado com TEA, nível 1, ela contou como foi a descoberta e a rotina em casa desde então. Estudante do 1º ano da Escola Monteiro Lobato, Mirege conta que Arthur sempre foi uma criança tranquila e carinhosa, porém muito organizado. “Ele sempre sentava do mesmo lado da mesa, a posição do prato e copo sempre da mesma forma. Os brinquedos todos organizados por cores e até então não percebíamos muita coisa até por não conhecer sobre o assunto. Achávamos muito legal”, diz a mãe do menino. Ela contou que a descoberta e diagnóstico aconteceu após a primeira crise. “Foi uma quebra de rotina, um menino sentou no lugar dele. Foi então que fomos alertados a buscar ajuda pela professora da escola dominical da igreja. Procuramos por uma psicóloga que investigou o caso do Arthur e com todo cuidado também com nós pais, explicou sobre a hipótese do diagnóstico e nos encaminhou ao neuropediatra, em maio de 2018”, conta Mirege, relatando que a partir de então teve início o acompanhamento da fonoaudióloga, o apoio da escola e suporte da Secretaria de Educação com o auxílio de uma profissional para sala especial e uma tutora em sala, além da busca por conhecimento, entendimento sobre o tema e forma de agir com o filho. “A aceitação foi meio difícil, porque na realidade a gente tem que desconstruir os planos com relação ao filho e começar a projetar e planejar outras coisas. Já que ele é muito literal, tivemos que mudar a forma de falar com ele, como por exemplo nos abaixar e falar olhando para ele na mesma altura, mas hoje muita coisa ele já compreende”, relata. O autista segue uma rotina.
Questionada quanto ao comportamento do Arhtur, Mirege conta que alguns métodos foram utilizados por ela e Murilo para minimizar crises. “Ensinamos ele a contar quando a ansiedade começava a desorganizar. Hoje sempre que vamos sair da rotina, visitar alguém diferente ou viajar, avisamos ele com antecedência. Ainda assim, essa semana fui trocar a foto do porta retrato na sala e ele teve uma crise de choro porque iria sentir falta da foto. São pequenas coisas que para um pai de neurotípico passam despercebidos, mas para os pais de autistas não. Sei que não passamos por muitas coisas que os pais de autistas com níveis mais elevados passam, mas igualmente estamos na luta, pois queremos suavizar as dificuldades de adaptações do Arthur”, expõe.
Quanto a pergunta do TP sobre conscientização, a mãe diz acreditar que o assunto deve ser falado de forma mais aberta, sem pensar que rótulos estão sendo colocados sobre as crianças ou famílias. “Alguns mitos ainda devem ser desfeitos, não devemos focar apenas em suas limitações, mas em suas habilidades, sem deixar de auxiliar e amar todos os dias. Às vezes é cansativo, mas cada conquista é revigorante. Um exemplo é que até a pouco tempo o Arthur não cantava parabéns nos aniversários dos amiguinhos, mas nunca deixamos de levar, agora ele já canta”, conta. Por fim, Mirege manifesta alguns descontentamentos. “Como o Arthur tem grau leve é difícil conseguir terapias de forma gratuita, mas o que me deixa bastante ‘chateada’ são as frases: ‘nossa ele não parece ter autismo’ ou, ‘ele não tem cara de autista’ ou ainda, ‘mas acho que tu está exagerando’. As pessoas ainda acham que o autista é só o grau severo e pelo fato do Arthur ter uma boa comunicação e o cognitivo não apresentar nenhum comprometimento até agora, essas frases são muito comuns”, conclui.